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" -- Pronto, passou."   por Sidney Rocha

 

 

Fotógrafos são capazes de invadir o intériuer, e capturar a alma das gentes. De criar anima em alguns seres e também vida, mesmo breve, em meia-dúzia de utensílios. Sustento pela fotografia o mesmo fascínio dos astecas de Montezuma pelos cavalos dos espanhóis. Dos primeiros índios pelos espelhos. Não tanto ao "/nos deram espelhos e vimos um mundo doente/", do Legião Urbana, e mais ao tom dos versos anteriores, onde eles acertaram: "Que o mais simples fosse visto/ Como o mais importante". A fotografia em Augusto cavalga nesse estágio.

 

Talvez as pessoas não aguentem mais tanta realidade, como disse Eliot, ou alguma aura haja se perdido, como anunciou Walter Benjamin, por conta do nosso valor ao culto e à espetacularização, onde estética e política se misturam. Mas, realidade, aura, estética e política quase nada significam perante a potência do Tempo e, no enquadramento de Augusto Pessoa tenho certeza não da condensação do momento, mas dessa fluência quase reencarnatória da imagem no tempo, e a confirmação pela fé na imagem, na capacidade de narrar pela imagem. Tem sido cansativo ver artistas contemporâneos com tanta obsessão por certa originalidade. Vê-los acreditar na técnica tão separada da arte. Perseguir engajamentos, identificações, alterités. E como resultado desses eus partidos e estereotipados, só obras fragmentárias e lugares-comuns. Ai, ai, a contemporaneidade.

 

Pessoa já venceu esse estágio. Não persegue nada, creio. Contudo, se pousa o olhar na moça da felicidade de Areia, ou nas sombras carnais em Amsterdã, ou nos lampiões de rua da Europa, arte e técnica (re)produzem justo a busca dos outros: o original; porque ser original é somente voltar às origens. O resto é palavreado da semiótica. Papo sobre Deleuze e Debois. Mas, note -- porque alguns são danados para confundir --, a origem não é o passado. Para Augusto, o passado-passou: está morto. E nesse "-- Pronto, passou", quando clica, igual ao "-- Pronto, passou", do farmacêutico nos vuco-vucos do algodão no braço do menino-chorão, um segundo depois da agulha, Augusto é solidário com suas origens, no sentido preferível da palavra: sólido. Por isso, vai mais leve, joga fora a pose acadêmica, pula pra longe do formidável da etnografia e do ramerrão fotojornalístico e, de onde vejo -- e de onde não vejo --, não é fácil sabermos onde sua alma vai capturar a nossa amanhã. Uma experiência estética: simples: importante: da qual não sabemos se estamos a uma distância segura da lágrima. Ou do riso.

 

É crer pra ver.

 

Sidney Rocha é escritor, vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura 2012, com  O Destino das Metáforas (Iluminuras).

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